Mês: novembro 2016

Atenção aos pacientes que vivem com HIV/Aids

Farmanguinhos/Fiocruz produz mais de 150 milhões de unidades farmacêuticas de antirretrovirais e desenvolve novas formulações especificamente para crianças

aids

O Dia Mundial de Luta Contra a Aids é celebrado em 1º de dezembro, a fim de chamar a atenção para esse problema de saúde pública. Parceiro estratégico do Ministério da Saúde, principalmente no que tange à assistência farmacêutica aos pacientes que vivem com HIV/Aids, o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) produz sete dos 23 medicamentos que compõem o coquetel antiaids oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A estimativa é de que, até o fim de 2016, sejam produzidas mais de 150 milhões de unidades farmacêuticas dessa categoria de medicamentos.

Para marcar a data, ao longo da semana, a Agência Fiocruz de Notícias apresentará um especial sobre o tema (clique na imagem acima para acessar a página). O objetivo é apresentar os estudos mais recentes e principais iniciativas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Estarão em destaque, entre outros, o projeto A hora é agora, para implantação do auto teste de diagnóstico da Aids; uma análise sobre os 25 anos de reportagens no Dia Mundial da Luta contra a Aids; e um estudo sobre os aspectos sociais e históricos da epidemia de Aids no Amazonas.

Até o fim deste ano, Farmanguinhos deverá produzir mais de 150 mil unidades farmacêuticas de antirretrovirais (Foto: Edson Silva)

Até o fim deste ano, Farmanguinhos deverá produzir mais de 150 mil unidades farmacêuticas de antirretrovirais (Foto: Edson Silva)

Produção estratégica para o SUS – Farmanguinhos produz os antirretrovirais atazanavir, efavirenz, lamivudina, nevirapina, zidovudina, lamivudina+zidovudina e tenofovir+lamivudina.  Para ampliar sua lista desta categoria de medicamentos, a unidade participa ainda de Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDP). Uma delas é o triplivir, que reúne três fármacos em um único comprimido (tenofovir, lamivudina e efavirenz). Os acordos envolvem a produção do medicamento e a do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA), principal substância, responsável pelo efeito terapêutico.

Além de ofertar produtos de primeira linha no Sistema Único de Saúde (SUS), outro objetivo da PDP é nacionalizar novas tecnologias e, com isso, fortalecer também a indústria farmoquímica nacional. No momento, a unidade aguarda o registro junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para iniciar a fabricação.

Tratamento pediátrico – Além da produção, o Instituto trabalha no desenvolvimento de antirretrovirais pediátricos, atendendo a política da Organização Mundial da Saúde (OMS) de estimular formulações mais adequadas para as crianças. Dessa forma, um dos estudos usa nanotecnologia na elaboração do efavirenz. Trata-se de um comprimido com sabor mais agradável, que se dispersa em água para facilitar a ingestão pelas crianças.

Helvécio Rocha e Lívia Prado usam nanotecnologia no desenvolvimento do efavirenz dispersível em água (Foto: Edson Silva)

Helvécio Rocha e Lívia Prado usam nanotecnologia no desenvolvimento do efavirenz dispersível em água (Foto: Edson Silva)

Segundo o coordenador do estudo, Helvécio Rocha, já foram realizados testes prévios em cobaias na escala micrométrica (mil vezes maior do que a nano), comprovando a biodisponibilidade in vivo, ou seja, ficou confirmado que houve liberação da substância ativa no organismo. “Os resultados significam que uma menor dosagem poderia ser utilizada na formulação. No caso específico de crianças, é um benefício enorme, uma vez que poderia facilitar a fabricação de comprimidos menores, portanto, mais fáceis de serem deglutidos”, explica o pesquisador. A previsão é de que em dois anos comecem os testes em humanos.

De acordo com o Ministério da Saúde, a maior diferença entre antirretrovirais pediátricos e adultos está na apresentação farmacêutica, sendo líquidos para crianças de até seis anos de idade, e comprimidos para os demais pacientes. Sob este aspecto, outra importante vantagem é que a administração deste efavirenz é também mais fácil e segura do que as opções líquidas disponíveis, já que o comprimido é feito na dosagem exata para o tratamento, sem a necessidade de medir a quantidade a ser ingerida.

Símbolo da instituição, o Castelo da Fiocruz ficará iluminado de vermelho na primeira semana de dezembro, em alusão ao Dia Mundial de Luta contra a Aids, 1°/12 (foto: Peter Ilicciev)

Além disso, os pesquisadores da unidade desenvolvem ainda um antirretroviral que associa três princípios ativos em um único comprimido: lamivudina 30mg + zidovudina 60mg + nevirapina 50mg. O medicamento foi elaborado com uma formulação edulcorada, ou seja, de sabor agradável para disfarçar o gosto amargo dos três fármacos. Além disso, o comprimido deverá ser dissolvido em uma pequena quantidade de água a fim de facilitar a ingestão pelas crianças. No momento, estão sendo realizados estudos clínicos.

Cooperação internacional – O Brasil tem intensificado seus esforços na ajuda ao continente africano. Um exemplo desta iniciativa é a implantação da fábrica de antirretrovirais e outros medicamentos em Moçambique, em ação conjunta de Farmanguinhos com a Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM). Primeira instituição pública no setor farmacêutico do continente africano, a fábrica iniciou as operações em 2012, e produzirá 226 milhões de unidades de antirretrovirais por ano. Esta quantidade deverá beneficiar cerca de 2,7 milhões de pessoas vivendo com HIV/Aids em Moçambique.

Desde 2012, a Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM) já produziu cerca de 18 milhões de unidades farmacêuticas de antirretrovirais e outras categorias de medicamentos (Arquivo)

Desde 2012, a Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM) já produziu cerca de 18 milhões de unidades farmacêuticas de antirretrovirais e outras categorias de medicamentos (Foto: Arquivo)

Desde 2012, a SMM já produziu cerca de 18 milhões de unidades farmacêuticas de antirretrovirais e outras categorias de medicamentos. Está prevista a produção de antibióticos, antianêmicos, anti-hipertensivos, anti-inflamatórios, hipoglicemiantes, diuréticos, antiparasitários e corticosteróides. A tecnologia para desenvolvimento e produção dos medicamentos será transferida gradualmente por Farmanguinhos à instituição moçambicana.

Todas essas ações reafirmam a missão de Farmanguinhos em atuar com responsabilidade socioambiental na promoção da saúde pública por meio da produção de medicamentos, pesquisa, desenvolvimento tecnológico, geração e difusão de conhecimento.

 

 

Pesquisa de Farmanguinhos é capa de revista científica

Laboratório de Síntese de Fármacos cria moléculas híbridas contra a malária. Estudos podem representar novo horizonte para a indústria farmacêutica

O Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) tem buscado novas soluções terapêuticas para combater antigos inimigos de saúde pública. O grupo de Síntese de Fármacos da unidade, coordenado pela farmacêutica Núbia Boechat, vem trabalhando no desenvolvimento de novas moléculas híbridas, isto é, contendo mais de um princípio ativo em sua estrutura. Um dos estudos demonstrou efeitos promissores contra a malária e, recentemente, os resultados foram publicados na Bioorganic & Medicinal Chemistry. Devido à sua importância, o trabalho ganhou a capa desse periódico científico.

Segundo Núbia Boechat, a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza o uso de mais de um fármaco para tratar doenças infectocontagiosas. Porém, tal como ocorre no tratamento de Aids, a administração de coquetéis dificulta a adesão do paciente à terapia, já que é preciso tomar muitos comprimidos. “Por isto é que se tem investido nas formulações denominadas de Dose Fixa Combinada (DFC).  Isso diminui a possibilidade de resistência do parasito aos componentes, uma vez que o medicamento em DFC age em diferentes mecanismos de ação”, explica a pesquisadora.

 

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Parte da equipe da Síntese de Fármacos. A partir da esquerda: Flávia Fernandes da Silveira, Luiz Carlos da Silva Pinheiro, Maria de Lourdes Garcia Ferreira e Núbia Boechat (Foto: Peter Ilicciev – CCS/Fiocruz)

Apesar de ser considerado um avanço, o desenvolvimento de medicamentos em DFC é complexo. “É preciso usar dois fármacos numa única formulação, observando-se sempre a interação medicamentosa, bem como a biodisponibilidade dos componentes ao mesmo tempo. Em função disso, é também uma tecnologia farmacêutica mais complicada”, ressalta.

 

Como alternativa a essas formulações, Núbia argumenta que o desenvolvimento de moléculas híbridas, quem vêm sendo criadas pela equipe de Síntese de Fármacos, é uma evolução tecnológica na indústria farmacêutica. “Em vez de colocar dois fármacos distintos em um único comprimido, as moléculas já são criadas com os dois princípios ativos, que vão atuar em mecanismos de ação diferentes, ou seja, atacar dois alvos dentro do organismo”, explica.

Uso de estatinas – Em outro trabalho, após uma revisão da literatura científica, o grupo da Síntese constatou que a atorvastatina, uma das mais utilizadas estatinas para controlar o colesterol, tem também a função anti-inflamatória. A pesquisadora revela que a atorvastatina vem sendo testada como adjuvante no tratamento da malária cerebral, a forma mais severa da doença, associada a outros medicamentos antimaláricos.

“A partir dessa descoberta, criamos moléculas híbridas com atorvastatina e alguns antimaláricos. O resultado foi fantástico. Publicamos, então, um artigo no primeiro semestre deste ano, na versão Letters para garantirmos a descoberta. Agora, estamos nos aprofundando nos estudos dessas moléculas para alcançarmos mais resultados”, destaca.

Desde 2008, a área vem desenvolvendo várias moléculas híbridas especificamente para o tratamento de malária. Atualmente, os pesquisadores da Síntese trabalham com quatro fármacos para malária (artesunato, cloroquina, mefloquina e primaquina), com os quais são feitas modificações em suas estruturas.

Outro trabalho também publicado na Bioorganic é Síntese de novos derivados quinolínicos com potencial atividade contra Plasmodium falciparum. Neste caso, os pesquisadores de Farmanguinhos criaram moléculas híbridas com os princípios ativos sulfadoxina e cloroquina. “Os resultados têm sido satisfatórios, apresentando menos efeitos adversos”, ressalta Núbia Boechat, que coordena o grupo de pesquisa. As informações foram disponibilizados, em 2015, na Malaria Nexus, que é uma plataforma de conhecimento online, que capta e disponibiliza a especialistas todos os melhores trabalhos sobre esta doença negligenciada no mundo.

Núbia informa que o estudo mais avançado contra a malária é o Mefas, sigla para o sal híbrido contendo artesunato (AS) e mefloquina (MQ). “A partir do desenvolvimento do ASMQ (medicamento em dose fixa combinada), nós da Síntese de Fármacos fizemos uma molécula híbrida com os dois fármacos, que nós chamamos de Mefas. Atualmente o projeto está na fase de biodisponibilidade, na qual está sendo avaliada sua farmacocinética. Dependendo do resultado, gostaríamos de fazer os ensaios clínicos, eliminando as etapas anteriores, uma vez que ele é feito a partir de duas moléculas que já têm a toxicologia conhecida”, argumenta Núbia. Segundo ela, o sal híbrido tem produzido menos efeitos adversos do que o medicamento em DFC.

 

Vacinas e novos tratamentos são esperança contra vírus zika

Especialistas debateram o desenvolvimento de vacinas e testes de um medicamento, já utilizado no tratamento de Alzhemeir

Por Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)

Um medicamento já utilizado no tratamento de Alzhemeir apresentou efeito protetor para os neurônios na infecção pelo vírus zika durante estudos com camundongos. O trabalho foi apresentado nesta quarta-feira, 09/11, no evento Zika, promovido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Academia Nacional de Medicina (ANM) e Academia Brasileira de Ciências (ABC). Os esforços para acelerar o desenvolvimento de vacinas, com a realização da primeira fase de testes em pacientes em 2016 e a previsão de início da segunda fase em janeiro de 2017, também foram detalhados no evento, ao lado de estratégias promissoras para desenvolver fármacos antivirais. O evento inclui os simpósios The zika menace in Americas: challenges and perspectives e One year after the announcement of the national public health emergency in Brazil: lessons, achievements and challenges.

Proteção para os neurônios – Os resultados promissores sobre medicamentos e vacinas foram apresentados durante a seção Epidemia de zika: abordagens terapêuticas e profiláticas, mediada pelo pesquisador Wilson Savino, diretor do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e um dos organizadores do evento. De acordo com Mauro Martins Teixeira, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o desenvolvimento de um tratamento que possa ser administrado a gestantes para prevenir os danos provocados pelo vírus zika nos fetos é extremamente difícil. Porém, o fármaco memantina, testado durante a pesquisa coordenada por ele, tem características positivas para essa aplicação.

“A maior dificuldade na busca de uma terapia para gestantes é a segurança. A memantina é considerada um fármaco de classe de segurança B, segundo o FDA [Food and Drug Administration, agência reguladora de medicamentos nos Estados Unidos]. Isso significa que não houve testes em gestantes, mas, devido ao número de pacientes grávidas que já utilizaram o medicamento e não apresentaram problemas, ele é provavelmente seguro para uso na gestação”, explica o imunologista.

Segundo Mauro, a decisão de testar a memantina para prevenir danos causados pelo vírus zika partiu do conhecimento sobre suas características de segurança e sobre o seu mecanismo de ação. O fármaco atua no cérebro inibindo a ação do neurotransmissor glutamato, uma molécula com papel de sinalização entre células, capaz de ativar os neurônios. “Em muitas doenças cerebrais ocorre um fenômeno chamado de excitotoxicidade: a liberação excessiva de glutamato ativa demais os neurônios e provoca a morte dessas células. Utilizamos o glutamato com o objetivo de bloquear o excesso de ativação neuronal. O resultado foi impressionante, impedindo a morte dos neurônios provocada pelo vírus zika”, afirma Mauro em relação aos estudos realizados com camundongos.

Uma vez que a memantina não tem ação direta sobre o vírus zika, o pesquisador acredita que um futuro tratamento deverá ser combinado com um fármaco antiviral, capaz de combater o patógeno. Dessa forma, seria possível proteger os neurônios do feto e impedir uma infecção prolongada, que eventualmente resultaria em lesões. “O desenvolvimento de terapias tem um horizonte de longo prazo. No futuro, esperamos ter uma vacina para prevenir a doença. Mas, mesmo assim, será interessante termos um tratamento disponível, que possa ser administrado caso a infecção seja diagnosticada em gestantes, reduzindo o risco de danos aos bebês”, diz o imunologista.

Busca de vacinas em ritmo acelerado – Menos de um ano após a declaração da situação de emergência nacional de saúde pública relacionada à microcefalia no Brasil, pelo menos três vacinas contra o vírus zika já chegaram à fase de ensaios em pacientes. Um dos imunizantes, que começou a ser testado em voluntários em agosto, é desenvolvido pelo Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos (Niad, na sigla em inglês).

A iniciativa conta com a participação de uma brasileira: a engenheira química Leda Castilho, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo ela, a expectativa é de que a primeira fase de testes seja concluída até o fim do ano e que a segunda etapa comece em janeiro de 2017 ou, até mesmo, de forma antecipada, em dezembro de 2016. “Nos ensaios de fase um, a vacina está sendo aplicada em 80 voluntários nos Estados Unidos, com o objetivo de avaliar a sua segurança e a sua capacidade de estimular a produção de anticorpos. Já na fase dois serão envolvidos cerca de quatro mil voluntários em diversos países, incluindo o Brasil”, afirma Leda.

Segundo a pesquisadora, a rapidez com que a vacina foi desenvolvida é resultado de um esforço concentrado, que começou no final de 2015. A tecnologia utilizada no projeto é chamada de ‘vacina de DNA’. Esse método é baseado em sequências genéticas que são introduzidas na vacina e orientam a produção de proteínas virais pelo paciente. Assim, o sistema imunológico é ativado, promovendo a geração dos anticorpos que protegem contra a doença. “Os cientistas do Niad já tinham trabalhado em uma vacina de DNA para o vírus da febre do oeste do Nilo, que, assim como o zika, pertence à família dos flavivírus. Utilizando essa plataforma, as primeiras construções do imunizante para zika foram sintetizadas em janeiro de 2016. Em abril, foi iniciada a etapa de estudos em modelos animais. Entre 18 macacos vacinados, 17 ficaram protegidos após receber duas doses da vacina”, relata Leda.

A atuação do órgão regulador americando FDA foi destaca como fundamental para acelerar o desenvolvimento do imunizante. A autorização para a primeira fase de ensaios clínicos foi concedida em apenas dez dias. De acordo com Leda, foi possível acelerar a tramitação porque um procedimento de pré-autorização foi iniciado ainda em fevereiro. “Essa é uma lição, porque a capacidade técnica do órgão regulador foi muito importante nesse projeto”, destaca.

Antivirais no foco das investigações – Um medicamento capaz de impedir a replicação do zika, interrompendo a evolução da doença, é outra alternativa buscada por cientistas para frear o vírus. Coordenador do Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Glaucius Oliva considera que compreender a estrutura do vírus zika pode ser um caminho para encontrar moléculas capazes de inativá-lo. “Esse vírus tem apenas dez genes codificantes no seu material genético. É incrível como uma estrutura tão simples pode causar uma doença com apresentações tão variadas. Mas essa estrutura simples também pode ser uma vantagem na busca por antivirais”, pondera o cientista.

Partindo das informações do genoma do vírus, os pesquisadores do CIBFar utilizaram técnicas de modelagem digital para fazer previsões sobre a estrutura das proteínas que compõem o patógeno. A partir dos dez genes, eles chegaram a 16 construções, incluindo proteínas completas e domínios que podem ser alvos para inativação. A etapa seguinte do projeto envolveu técnicas de engenharia genética: os genes do Zika foram clonados e inseridos em bactérias, uma técnica frequentemente utilizada em pesquisas. Dessa forma, as bactérias passaram a produzir proteínas virais, que podem, então, ser purificadas e analisadas.

Em uma etapa da pesquisa concluída há apenas três semanas, os cientistas conseguiram avaliar com precisão a estrutura de uma proteína essencial para a multiplicação do vírus zika, chamada de RNA polimerase. Presente no processo de replicação viral, essa enzima é responsável por produzir as cópias do material genético do patógeno. Entre outras características, o estudo revelou que o formato da RNA polimerase do zika é bastante diferente do formato da enzima RNA polimerase do vírus da dengue, o que torna necessário um antiviral específico. “Existem medicamentos em desenvolvimento para a dengue, mas eles não são capazes de atuar sobre o zika. Estamos trabalhando ativamente na busca de moléculas adequadas para inativar o vírus”, destaca Glaucius.

 

Palestra discute uso medicinal da maconha

Fiocruz cria grupo de trabalho para apoiar iniciativas voltadas para estimular pesquisas com cannabis para fins medicinais


Daqui a um mês (3/12), a pequena Sofia completará oito anos de idade. Desde que nasceu, ela sofre com constantes crises de convulsão, sendo que, nos últimos anos, diminuíram drasticamente graças ao uso de um elemento extraído de uma planta: o canabidiol. Apesar dessa ótima resposta dada pela natureza, que trouxe alívio para a menina, a comemoração não pode ser completa porque a planta, da qual a substância foi isolada, é a maconha, erva incluída na lista de drogas ilegais no Brasil.  Com o objetivo de debater este importante tema para pacientes, classe médica e comunidade científica, o Centro de Estudos de Farmanguinhos trouxe para discussão o Uso medicinal da cannabis, palestra proferida pela advogada Margarete Brito, a mãe da Sofia, e por Eduardo Faveret, o médico da menina.

Margarete Brito falou sobre a necessidade de liberação da maconha para fins medicinais

Margarete Brito falou sobre a necessidade de liberação da maconha para fins medicinais

“Maconha é remédio, e acesso a remédio é questão de saúde pública. Portanto, não pode ser considerado crime”, ressaltou Margarete. Ela explicou que procurou se informar mais a respeito das substâncias da cannabis sativa (nome científico da maconha). Atualmente, a advogada coordena a associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi). Desde então, ela vem lutando ao lado de outras mães de pacientes que sofrem com crises epiléticas e convulsões.

De acordo com Margarete, Sofia é portadora da Síndrome CDKL5, uma variante da síndrome Rett (doença causada por mutações no gene do cromossomo X). Desde que descobriu os efeitos terapêuticos da planta, ela vem promovendo o debate a fim de engajar o público nesta importante causa. A advogada argumentou que a substância possui excelente potencial para controle de convulsão, mas é proibida.

As variações da qualidade, no entanto, fizeram ela tomar uma decisão: cultivar a planta em casa, o que gera outro problema de ordem legal. “Plantar maconha para uso medicinal não é crime. Crime é a mora Legislativa que não regulamenta o uso medicinal da cannabis. Crime é a omissão do Estado que não cumpre as decisões judiciais que mandam fornecer remédios”, argumentou.

O médico Eduardo Faveret falou sobre os efeitos terapêuticos das substâncias encontradas na maconha

O médico Eduardo Faveret falou sobre os efeitos terapêuticos das substâncias encontradas na maconha

Segundo Margarete, a participação da mídia foi fundamental para ampliar o debate, o que proporcionou quatro conquistas para o grupo. A primeira foi em 2014, quando o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) ter autorizado a prescrição do canabidiol. Ainda em 2014, o Conselho Federal de Medicina (CFM) regulamenta para todo o território nacional. A terceira ocnquista veio no ano passado, quando a Anvisa retirou o CBD da lista de proscritos e regulamenta a substância. Também no ano passado, a Agência regulatória passou a autorizar a prescrição de THC.

“Esperamos que a quinta conquista seja que Farmanguinhos produza extrato de cannabis e distribua (via SUS) para pacientes de epilepsia, dor crônica, câncer, parkinson, esclerose múltipla”, frisa a advogada.

Projeto Fio Cannabis – Representando o diretor Hayne Felipe, em compromissos institucionais em Brasília, Márcia Coronha disse que a Fiocruz está com um projeto especificamente voltado para estudos com cannabis. “Esse grupo multidisciplinar foi formado a partir de uma solicitação feita pelo próprio presidente Paulo Gadelha a fim de apoiar as ações A ideia do Fio Cannabis é apoiar a Apepi e a ABRA Cannabis (Associação Brasileira para Cannabis)”, explicou a pesquisadora Márcia Coronha.

Alessandra Viçosa, Margarete Brito, Márcia Coronha, Eduardo Faveret, Maria Behrens, David Tabak, Lauro Pontes e Karla Gram

Alessandra Viçosa, Margarete Brito, Márcia Coronha, Eduardo Faveret, Maria Behrens, David Tabak, Lauro Pontes e Karla Gram

O médico Eduardo Faveret apresentou casos de sucesso de pacientes que administraram não somente o canabidiol (CBD), como também o Delta 9 Tetrahidrocanabinol (THC). Dentre outros benefícios, Faveret informou que o canabidiol tem efeito anticonvulsionante em quase todos os modelos experimentais de crise. “Pode ser administrado por via oral, por meio de vaporização (a mais rápida), fumo, adesivo transdérmico, sublingual, supositório. Habitualmente é utilizado principalmente na forma de óleo ou pasta, que pode ser ingerido ou vaporizado”, explicou.

Segundo Faveret, o canabidiol é um fitoterápico com grande versatilidade terapêutica e segurança. “Incidem alguns poucos efeitos adversos, como sonolência, diarreia, vômitos e convulsões. O uso combinado do THC com canabidiol permite a associação dos efeitos terapêuticos com menos efeitos adversos”, destacou. No entanto, adverte que “o potencial terapêutico de tratar crises e comorbidade psiquiátrica necessita de estudos controlados”, conclui.

Margarete Brito exibiu o vídeo Estado de necessidade, de aproximadamente cinco minutos, que mostra a luta de mamães e papais de pacientes que necessitam das substâncias encontradas na maconha para terem uma qualidade de vida melhor. Após as duas apresentações, os palestrantes participaram de debate com o público presente.

Fotos: Edson Silva