Farmanguinhos reúne especialistas de diferentes segmentos no  1º Seminário Internacional das RedesFito: Inovação e Biodiversidade na Perspectiva da Sustentabilidade, no Rio de Janeiro


 

O desenvolvimento de um medicamento da biodiversidade é um processo longo e complexo, passando por inúmeras etapas. Além do fator relacionado à saúde, existem outras questões de cunho social e ambiental que devem ser consideradas. Com o objetivo de debater esses pontos, o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) promoveu o 1º Seminário Internacional das RedesFito: Inovação e Biodiversidade na Perspectiva da Sustentabilidade, realizado de 19 a 21/10, no Rio de Janeiro.

Glauco Villas Bôas explica que as redes são articuladas a partir de arranjos ecoprodutivos nos diversos biomas brasileiros (Foto: Edson Silva)

Glauco Villas Bôas explica que as redes são articuladas a partir de arranjos ecoprodutivos nos diversos biomas brasileiros (Foto: Edson Silva)

Organizado pelo Núcleo de Gestão em Biodiversidade e Saúde (NGBS) da unidade, o evento reuniu pesquisadores, estudantes, agricultores, representantes de indústrias, de universidades e da sociedade civil discutiram desenvolvimento sustentável, dinâmica da inovação e a criação de uma rede de inovação a partir da biodiversidade.

“A compreensão dos conceitos que envolvem a inovação em medicamentos da biodiversidade permite vislumbrar o potencial do Brasil em liderar as iniciativas de construção de um novo caminho para o desenvolvimento de medicamentos, pelo fato de ser um país megadiverso”, frisou o coordenador do NGBS, Glauco Villas Bôas. Diante dessa pluralidade, ele ressaltou a importância da criação das RedesFito, em 2009, visando ao trabalho integrado entre os diversos atores engajados neste processo que envolve promoção da saúde, ciência e tecnologia, além de desenvolvimento social.

“As redes são articuladas a partir de arranjos ecoprodutivos locais identificados nos diversos biomas brasileiros. É neste espaço compartilhado por pessoas ligadas às universidades, aos institutos de ciência e tecnologia, empresas, comunidades tradicionais, agricultura familiar, terceiro setor e governo que ocorre a geração do conhecimento que permite avançar na inovação em medicamentos da biodiversidade a partir de ações práticas desenhadas em projetos estruturantes”, explicou.

Representando a Diretoria, a vice-diretora de Ensino, Pesquisa e Inovação (VDEPI), Erika de Carvalho, ressaltou a necessidade de interação entre as diferentes esferas da sociedade. “Passamos por diversos percalços nos últimos anos em relação a problemas regulatórios, e muitas vezes deixavam nossos pesquisadores desmotivados, mas é preciso continuar, é preciso discutir”, salientou Erika.

“Hoje estamos dialogando sobre a importância de bioprodutos para a economia nacional. O setor empresarial, por sua vez, ainda tem muitas restrições por conta do alto risco no investimento nessas áreas. Sabemos que é muito complexo, é um caminho árduo para conseguirmos efetivamente um produto. Mas é preciso investir. É preciso dizer que o Brasil, apesar de tamanha biodiversidade, de tamanho avanço científico, só tem um único produto de origem vegetal. Quando comparamos as indústrias cosmética e farmacêutica, a de cosméticos tem tantos produtos de origem natural e pode ser uma inspiração para nós continuarmos”, salientou a vice-diretora.

François Chesnais é economista francês, professor emérito da Universidade Paris XIII

François Chesnais é economista francês, professor emérito da Universidade Paris XIII

Capitalismo e o impacto da crise econômica – O seminário contou com a presença de profissionais de todos as regiões do Brasil e foi enriquecido com a presença do teórico francês François Chesnais. Um crítico do sistema capitalista que, segundo ele, inventa necessidades de consumo que esgotam as riquezas naturais.

“Estamos caminhando para o abismo graças ao que o capitalismo criou. Há hoje excesso de produção, que só termina quando acumulação e produção estiverem completamente satisfeitas. No entanto, o capitalismo tem dificuldades de satisfazer essa duas condições”, criticou.

Chesnais frisou que a crise econômica, outrora restrita à Europa, desta vez é mundial e traz novas particularidades. “Ela se esgueira, é perigosa, aflige os ecossistemas. O esgotamento dos recursos naturais não renováveis, ou lentamente renováveis, vão propagar a crise e suas consequências para o desenvolvimento social”, alertou o economista.

Desenvolvimento em saúde – Há anos Farmanguinhos, por meio do NGBS, vem discutindo o enfrentamento dos desafios para se chegar a um medicamento com origem na biodiversidade brasileira, de modo que os mecanismos sejam ambientalmente sustentáveis e socialmente apropriados. Legislação mal elaborada, fragilidade regulatória e falta de estímulo industrial são alguns dos entraves, que ganharam o reforço da crise econômica.

Carlos Morel é coordenador do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fiocruz (Foto: Edson Silva)

Carlos Morel é coordenador do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fiocruz (Foto: Edson Silva)

Para o coordenador do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz), Carlos Morel, diante deste cenário, o trabalho integrado é o ideal. “Se não trabalhar em rede, terá poucas chances de avanço”, apontou. Com as intervenções atuais, ele afirma que a maioria das metas para a área da saúde não será alcançada. Em relação ao papel das RedesFito propondo iniciativas de desenvolvimento de medicamentos da biodiversidade, Morel faz um avaliação positiva, sem deixar de alertar para os desafios.

“Eu acho que vocês (RedesFito) estão no centro do debate muito importante. Vocês estão desenvolvendo saúde, estão tendo acesso a uma biodiversidade fantástica. A inovação é necessária. Estamos trabalhando numa área sensível, importante e prioritária. Mirem alto, porque inovação não é coisa simples, é algo custoso e, diante da crise financeira na qual o Brasil se encontra, é um desafio ainda maior. Mas é algo que vale a pena acreditar”, estimulou. “Neste momento, por exemplo, a fase 3 de um estudo com medicamento para tuberculose custa 70 milhões de dólares, que está sendo financiado em dez países”, concluiu.

A ausência de uma política voltada especificamente para o desenvolvimento industrial mais amigável ao ambiente foi também criticado pelo especialista José Eli Veiga, professor de Engenharia Ambiental da Universidade de São Paulo (USP). “Sou muito crítico do caminho que o desenvolvimento brasileiro seguiu, principalmente nas últimas décadas. O que a gente fez no Brasil foi uma verdadeira calamidade. Um exemplo concreto é o apoio e subsídio às energias fósseis fundamentalmente através da manutenção do preço da gasolina”, observou.

Cristina Ropke (Phytobios) e Juan Revilla - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Este é um exemploi de como a indústria privada pode colaborar com a área pública (Foto: Alexandre Matos)

Cristina Ropke (Phytobios) e Juan Revilla – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Este é um exemploi de como a indústria privada pode colaborar com a área pública (Foto: Alexandre Matos)

Segundo ele, o esforço que foi feito ao longo do período mencionado para vender gasolina barata para a população enfraqueceu o Proálcool, programa nacional criado na década de 70 a fim de substituir em larga escala os combustíveis veiculares derivados de petróleo por álcool. “Quando veio o pré-sal, houve um total desnorteamento em relação à questão estratégica do país. A reserva de pré-sal era importante, mas para ser vista como uma reserva, não para ter como prioridade e destruir o pouco que estava caminhando em outras áreas. Essa política equivocada fechou inúmeras usinas que tinham começado a se desenvolver. Foi absolutamente errático”, assinalou.

 

 

Indústrias – De acordo com Morel, uma forma de avançar no desenvolvimento de medicamentos de origem vegetal é o trabalho em parceria, de modo a integrar áreas de pesquisa e o setor industrial. Neste sentido, algumas indústrias parceiras também foram representadas no Seminário.

O espaço contou com a participação de instituições parceiras. Entre elas, o Instituo de Medicina Tradicional, localizado no Amazonas, e a empresa Phytobios. O evento teve o apoio do SENAI, Cristália, Globe Química, Nortec, Sourcetech, PVP e Seres Consultoria.

Casos de sucesso – O desenvolvimento de medicamento da biodiversidade está indiscutivelmente atrelado ao conhecimento tradicional. Neste caso, durante o encontro, foram apresentados dois projetos que vêm sendo executados com o apoio do NGBS: um no extremo sul da Bahia, e outro no município de Itapeva, no interior de São Paulo.

Sandra Magalhães Fraga apresentou o projeto Saúde popular e agroecologia, que engloba três municípios no extremo sul da Bahia (Foto: Alexandre Matos)

Sandra Magalhães Fraga apresentou o projeto Saúde popular e agroecologia, que engloba três municípios no extremo sul da Bahia (Foto: Alexandre Matos)

O projeto do estado nordestino tem por objetivo contribuir para o desenvolvimento sócio ambiental e sanitário em nove comunidades agrícolas locais, visando a inserção de plantas medicinais em sistemas produtivos agroflorestais, bem como a estruturação de um monitoramento das condições de vida e saúde.

 

Saúde popular e agroecologia é um projeto com atividades em nove comunidades de três municípios da Bahia: Prado, Teixeira de Freitas e Alcobaça. Sete delas estão ligadas ao MST (Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra) e outras duas comunidades tradicionais”, explica Sandra Magalhães Fraga, bióloga da Plataforma Agroecológica em Fitomedicamentos de Farmanguinhos.

Patrícia Apolinário coordena a Cooplantas

Patrícia Apolinário coordena a Cooplantas (Foto: Edson Silva)

Ela explica que o conhecimento científico levado pela Fiocruz foi aliado ao saber tradicional dos moradores locais, denominados sábios guardiões do conhecimento. “É importante fortalecer esse conhecimento, uma vez que é preciso pensar na validade da matéria-prima, do desenvolvimento. Então, nós temos que agregar”, ressaltou.

No total desse processo de resgate e valorização do conhecimento popular, Sandra explicou que foram catalogadas 500 etnoespécies de plantas e 3 mil citações de usos. “Além disso, foram selecionadas 132 espécies que serão plantadas numa área demonstrativa da escola do conhecimento popular, que é um centro de formação local”, frisou. Segundo ela, a seleção foi feita pelos sábios guardiões do conhecimento (180) a partir de critérios como o tipo de plantas que eles gostariam de ter cultivadas em seus quintais, forma de uso, e para quais doenças elas servem.

 

Outro projeto de sucesso é o de Itapeva, no interior paulista. Patrícia Apolinário falou sobre as conquistas de sua cooperativa, que existe desde 1996, foi formalizada em 2009. Em 2012, passou a participar da parceria com as RedesFito para o cultivo de plantas medicinais.

Os franceses Christiane Gillon e Patrice Ville conduziram a Assembleia socioanalítica (Foto: Edson Silva)

Os franceses Christiane Gillon e Patrice Ville conduziram a Assembleia socioanalítica (Foto: Edson Silva)

“A Cooplantas é constituída por 32 mulheres que trabalham três dias por semana no campo, com produção, cultivo, processamento, além da parte administrativa. Atualmente, contribuímos com 14 espécies de plantas que serão dispensadas nas unidades básicas de saúde aqui da região. É objeto da segunda fase do projeto, que envolve a montagem da Farmácia Viva. Esta etapa já está sendo finalizada”, explicou Patrícia que é presidente da Cooplantas.

Assembleia socioanalítica – O último dia do encontro foi dedicado à realização da Assembleia Socioanalítica, conduzida pelos franceses Christiane Gillon e Patrice Ville. Nessa dinâmica, os participantes (palestrantes, organizadores e plateia) fazem suas colocações, sejam perguntas, dúvidas e reflexões a respeito dos temas que foram discutidos ao longo do seminário.

A Assembleia então é dividida em grupos com o objetivo de propor soluções para as questões mais relevantes, e que podem ser resolvidas imediatamente.

Estudante de Farmácia na Universidade Federal do Sul da Bahia, Kariny de Oliveira comemora a escolha de seu estudo para compor o número temático da Revista Fitos (Foto: Alexandre Matos)

Estudante de Farmácia na Universidade Federal do Sul da Bahia, Kariny de Oliveira comemora a escolha de seu estudo para compor o número temático da Revista Fitos (Foto: Alexandre Matos)

Na opinião de Patrícia Apolinário, por exemplo, o agricultor não está mais tão inserido à proposta de trabalho no campo como deveria. Os participantes, juntamente com os parceiros das RedesFito, vão buscar soluções para essa questão de extrema relevância para a manutenção do conhecimento, para a sustentabilidade ambiental e para a proposta de inovação.

Trabalhos científicos – Dos 34 trabalhos inscritos, 12 foram aprovados para apresentação em e-pôster durante os três dias de seminários. Eles serão publicados na Revista Fitos em um número temático sobre a Inovação e biodiversidade na perspectiva da sustentabilidadeConfira aqui os 12 estudos aprovados.