Vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz destaca necessidade de superar desafios para transformar conhecimento científico em benefício à saúde

 

 

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) concentra uma gama de atividades em diferentes áreas de atuação, passando por pesquisa básica, desenvolvimento tecnológico, atravessando outras etapas até chegar à produção. Dispõe ainda de áreas de ensino, e oferece atendimento à população. Diante da complexidade desta cadeia, há a necessidade de articular as iniciativas de inovação, a fim de transformar esse conhecimento em benefício para a sociedade. Esse é o principal desafio institucional apontado pelo vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde (VPPIS), Marco Aurélio Krieger, durante a palestra de abertura do ano letivo do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz).

 

O vice-presidente apresentou exemplos bem-sucedidos de pesquisas que se tornaram produtos

Com o tema Construção da estratégia de desenvolvimento tecnológico e inovação na Fiocruz, para a plateia que lotou a Sala de Conferência do Complexo Tecnológico de Medicamentos (CTM) na manhã da terça-feira (21/3), Krieger abordou pontos considerados estratégicos da bancada do laboratório à prateleira de consumo, e apresentou alguns exemplos bem-sucedidos de estudos que seguiram esta trajetória, beneficiando milhares de pessoas, caso dos testes rápidos e moleculares, por exemplo. “Temos um compromisso de melhorar e otimizar esse sistema”, frisou o palestrante referindo-se à cadeia de inovação. Krieger sintetizou a ideia inicial da Política de Inovação da Fiocruz: “O objetivo é transformar o conhecimento que está sendo gerado por nossos laboratórios, nas diferentes unidades, em benefícios para a sociedade”, enfatizou.

 

Comparou a Fundação a uma república de federações. De fato, a Fiocruz lembra um país. Imagine uma república com 20 unidades federativas, cada uma com sua missão, de acordo com seu campo de atuação. A instituição é mais ou menos assim. Possui 16 unidades técnico-científicas, voltadas para ensino, pesquisa, inovação, assistência, desenvolvimento tecnológico e extensão no âmbito da saúde. Há ainda uma unidade técnica de apoio, atuante na produção de animais de laboratório e derivados de animais e outras quatro unidades técnico-administrativas dedicadas ao gerenciamento físico, às suas operações comerciais e à gestão econômico-financeira. E um escritório na África, mais precisamente em Maputo, capital de Moçambique.

 

Diante desta pluralidade institucional, Krieger ressaltou que, além de medicamentos, vacinas e testes de diagnóstico, há uma série de outros conhecimentos também gerados na Fiocruz e que devem ser transformados em produtos a favor da qualidade da saúde da população. Ao se referir à conjuntura brasileira, o pesquisador observou que “no momento em que vivemos, quanto mais conseguirmos dar visibilidade para essa nossa competência, e essa resposta à sociedade, mais efetivo vai ser o nosso desempenho institucional”, argumentou.

 

Ao lado do vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde, Marco Aurélio Krieger, o diretor Hayne Felipe disse depositar muita esperança nessa parceria com a VPPIS

O vice-presidente frisou que cada unidade tem sua política de inovação, o que é bom, mas advertiu: “numa época de restrição orçamentária, se a gente conseguir articular esses esforços, vai alcançar uma eficiência maior no desenvolvimento de trabalho. Talvez este seja nosso maior desafio: articular as iniciativas de inovação que existem na Fiocruz ”, observou.

 

Ciente de que não será tarefa fácil articular toda essa expertise, Krieger pediu o apoio dos trabalhadores. “Preciso da garantia de que possamos elencar os projetos junto às unidades de modo que consigamos acelerar a transformação desse conhecimento de maneira articulada”, justificou.

 

Política de Inovação – Para Krieger, a política tem caráter transversal, isto é, permeará todas as vice-presidências da instituição. Ele disse que a Política de Inovação da Fiocruz está em fase finalização por um grupo de trabalho, e que deverá ser apresentada à comunidade Fiocruz dentro de 90 dias. “Depois, vamos começar a discutir com todas as unidades. Teremos esse trabalho bastante pesado nos próximos dois meses, pois queremos entregá-la com algumas ações importantes. A nossa meta, já para este ano, é conseguir um valor simbólico, porém emblemático, de 1% do orçamento da Fundação, que hoje é algo em torno de R$ 5,5 bilhões. Teríamos, portanto, R$ 55 milhões para investir nessa área finalística. Não queremos fomentar, mas transformar o conhecimento gerado em produtos para a sociedade”.

 

De acordo com ele, em breve o documento estará sendo debatido nas unidades. “Provavelmente em abril já estaremos nas unidades conversando sobre essa política e, com certeza, vocês aqui de Farmanguinhos terão uma participação muito intensa nessa definição”, salientou.

 

O público lotou a Sala de Conferência do CTM

Krieger destacou a importância de se publicar artigos, mas advertiu sobre a necessidade de transformar o conhecimento científico em um produto final. “É isso que a nossa política pretende orientar. É bastante arriscado porque conseguiremos apenas 1/3 dos recursos do fundo da Fiocruz, o restante teremos de buscar no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), na Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), no Ministério da Saúde, nas unidades produtoras e com os parceiros”, assinalou.

 

Ele criticou o modelo que concentra as atividades de inovação em um único centro. “O desenvolvimento tecnológico vai acontecer em todas as unidades da Fiocruz. Temos que, de alguma maneira, canalizar esse desenvolvimento para que suplante as barreiras que temos para transformação de um conhecimento num produto de saúde”, disse.

 

Exemplos bem-sucedidos – Com sua experiência na área de diagnóstico, Krieger apresentou alguns exemplos bem-sucedidos de conhecimentos que se tornaram produtos. Ele considera os testes moleculares e rápidos bem significativos porque houve um envolvimento de profissionais de várias unidades da Fundação.

 

Outro exemplo de sucesso é a resposta ao avanço tecnológico em relação ao controle de qualidade das bolsas de sangue. “Neste caso, os testes tradicionais não eram capazes de detectar a infecção de determinado patógeno devido ao tempo da janela imunológica. Com isso, existia a necessidade de se fazer um teste para detecção desse patógeno e a tecnologia utilizada foi a amplificação do ácido nucleico. Foi um desafio lançado à Fiocruz. Conseguimos fazer o desenvolvimento tecnológico e a transformação desse conhecimento em produto. Para isso, tivemos de construir uma planta de produção certificada em BPF (Boas Práticas de Fabricação) para produção de ácido nucleico, que é a planta que está no Paraná”, explicou Krieger referindo-se ao Instituto Carlos Chagas (ICC/Fiocruz).

 

A planta tem duas linhas de produção que, segundo ele, é adequada para este fim, com todos os fluxos garantidos. “Embora a regulamentação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não é tão clara para diagnóstico quanto é para a área farmacêutica, para evitar qualquer tipo de contaminação, decidimos seguir a determinação para a indústria farmacêutica”, assinalou.

 

“Vale a pena salientar que saímos de um projeto em 2006, começamos uma obra e, em 2011, já estávamos com uma planta certificada pela Anvisa e começamos a fazer a produção do NAT. Hoje em dia, todas as bolsas de sangue transfundidas no país foram testadas com produto que foi desenvolvido e produzido pela Fiocruz”, observou.

 

Krieger frisou a importância da articulação de diferentes equipes envolvidas no projeto. “Aqui, o pessoal está fermentando a bactéria que vai produzir a enzima, lá no Paraná produzimos um dos módulos, aqui tem outros grupos produzindo, e Bio-Manguinhos faz o acerto final, colocando o módulo de controle e o de extração”.

 

Foram cerca de dez anos, desde o começo da planta industrial até uma produção atual de 12 milhões de testes por ano. “Cada bolsa é testada para três doenças. Começamos com HIV e HCV, depois Hepatite B. Neste ano, estamos com planos para incluir o teste para malária. Com a demanda sanitária dos últimos eventos, provavelmente vamos ter que abrir espaço para introduzir zika e febre amarela, por exemplo, uma vez que essas doenças têm potencial de ser transmitidas pelo sangue”, informou.

 

Exportação para os EUA – Krieger explicou que a Fiocruz buscou desenvolver novas aplicações para essa plataforma a fim de que atendesse a várias demandas. E um dos avanços foi fazer as reações termoestáveis e prontas para o uso. “Com as demandas menores, nós pudemos mandar as reações prontas da fábrica. Esse projeto realizamos em parceria com o CDC (sigla em inglês para Centro de Controle de Doenças dos EUA) para fornecer testes de malária para Moçambique. O CDC gostou tanto da tecnologia que hoje está comprando testes produzidos no Paraná para distribuir aos laboratórios de saúde pública dos Estados Unidos”, salientou.

 

Segundo ele, a agência regulatória americana (FDA na sigla em Inglês) também manifestou interesse em comprar os testes. “É importante a gente ter essa visão, de que a gente sempre teve nos nossos laboratórios o conhecimento científico. Nós não tínhamos a competência industrial para transformar isso numa inovação”, observou. “Nós precisamos ter o apoio do Ministério, uma política clara, uma definição institucional que essa plataforma deveria ser investida e, com isso, nós conseguimos incorporar a produção dos insumos necessários para a transformação do nosso conhecimento”, concluiu.

 

Anfitrião, o diretor Hayne Felipe ressaltou a certeza de uma parceria profícua com a VPPIS. “Depositamos muitas esperanças nele (Marcos Aurélio Krieger), porque ele sabe que o contexto hoje é extremamente difícil e precisaremos muito dessa parceria. Por isso, pedimos a ele para fazer esta palestra, para mostrar que o caminho neste enfretamento que a produção pública vive no momento é pela inovação, não somente para a inovação pública, como para a indústria farmacêutica brasileira de uma maneira geral”, observou o diretor.

 

Apesar da agenda apertada, após a apresentação, o palestrante respondeu a algumas perguntas levantadas pelo público.

 

Fotos: Edson Silva