A unidade produz e fornece antirretrovirais para o SUS, internaliza novas tecnologias e desenvolve pesquisas com plantas medicinais e síntese química

Além de produzir e fornecer antirretrovirais para o SUS, Farmanguinhos internaliza novas tecnologias e desenvolve pesquisas com plantas medicinais e síntese química para enfrentamento da doença (Arte: André Nogueira)

Em 1º de dezembro é celebrado o Dia Mundial de Luta Contra a Aids, doença que matou mais de 34,7 milhões de pessoas em todo o mundo desde a sua descoberta em 1981, segundo dados da Unaids. Quarenta anos depois, ainda não se descobriu a cura efetiva da enfermidade, mas muitos são os avanços no tratamento. Para marcar a data, escolhida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para chamar a atenção para esse grave problema de saúde pública, o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) divulga suas ações para enfrentamento da doença.

Além de produzir antirretrovirais usados na terapia e formalizar parcerias para a internalização de novas tecnologias, a unidade se dedica a pesquisar e desenvolver novas formulações a fim de oferecer mais qualidade de vida ao público assistido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

O Brasil se tornou referência mundial em sua política de acesso universal a antirretrovirais, e Farmanguinhos é o principal produtor público desta classe de medicamentos que agem na inibição e multiplicação do vírus HIV no organismo e, consequentemente, evita o enfraquecimento do sistema imunológico.

Protagonismo na produção – Há 22 anos, a unidade começava a fabricação do primeiro antirretroviral, a zidovudina, também conhecida como AZT. A partir de então, não deixou de ampliar seu portfólio, que, atualmente, conta com nove produtos. Desses, um é usado na Profilaxia Pré-exposição ao HIV (PrEP): entricitabina+tenofovir; os demais são voltados para tratamento: atazanavir, efavirenz, lamivudina, nevirapina, zidovudina, lamivudina+zidovudina e tenofovir+lamivudina, e o dolutegravir. Fruto de transferência de tecnologia, o dolutegravir beneficia pacientes que apresentaram resistência aos antirretrovirais anteriores ou ainda não haviam iniciado o tratamento. A unidade já fornece o medicamento no SUS enquanto absorve gradualmente a tecnologia para produção própria. Confira no final desta matéria as funções de cada antirretroviral.

Para se ter uma ideia do volume de produção, a previsão de fornecimento para o SUS este ano é de quase 140 milhões de unidades farmacêuticas. Tal protagonismo é possível porque a instituição conta com uma moderna planta fabril, o Complexo Tecnológico de Medicamentos (CTM), com capacidade de produzir até 2,5 bilhões de unidades farmacêuticas por ano.

Um dos antirretrovirais mais utilizados no país, fumarato de tenofovir desoproxila+lamivudina é fruto de Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP). Atualmente, é totalmente produzido por Farmanguinhos (acervo/Comunicação)

Desenvolvimento de novas tecnologias – Com uma planta multidisciplinar, equipamentos modernos e profissionais qualificados, Farmanguinhos celebra acordos para absorção tecnológica de medicamentos estratégicos para o país.

O diretor Jorge Mendonça explica que, além de ampliar o portfólio e atender melhor as necessidades do SUS, a unidade colabora também para o fortalecimento da indústria farmoquímica nacional, uma vez que os acordos contemplam também a transferência de tecnologia para a produção do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA).

“A atuação de Farmanguinhos no processo de absorção de tecnologias de medicamentos estratégicos, como os antirretrovirais, por exemplo, é fundamental para o Brasil, pois reduz custos e, consequentemente, favorece a ampliação do acesso a tratamentos mais modernos. A internalização dessas novas tecnologias permite ainda diminuir a dependência por medicamentos importados, o que confere maior soberania ao país neste segmento”, frisa o diretor. 

A unidade concluiu neste ano a absorção tecnológica do atazanavir, e tem avançado na internalização da tecnologia do dolutegravir e do antirretroviral composto dolutegravir+lamivudina. Outra importante ação, também fruto de parceria, é a internalização do entricitabina+tenofovir, antirretroviral utilizado na PrEP. O Instituto concluiu a fabricação de três lotes de qualificação da etapa de embalagem primária para solicitar à Anvisa a inclusão desta etapa de fabricação nas instalações da unidade. Outra iniciativa é o desenvolvimento tecnológico da lamivudina de 300 mg, a partir de acordo de cooperação. Futuramente, esse antirretroviral será usado na formulação da Dose Fixa Combinada com o dolutegravir 50 mg.

Uso de plantas medicinais – O Laboratório de Tecnologia para a Biodiversidade em Saúde (TecBio), da Vice-diretoria de Educação, Pesquisa e Inovação (VDEPI), investiga o comportamento do látex liofilizado de uma planta medicinal muito usada popularmente para tratar vários tipos de doenças, algumas graves ou crônicas, dentre as quais a Aids. Coordenada pelo pesquisador Antonio Carlos Siani, com colaboração de um grupo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a pesquisa avalia o potencial dos componentes ativos contidos no látex para constituir o Insumo Farmacêutico Ativo Vegetal (IFAV) de um fitoterápico.

Profissionais realizam experimento em um dos laboratórios de Produtos Naturais de Farmanguinhos.
(Foto registrada antes da pandemia de Covid-19 / Alexandre Matos)

Segundo o pesquisador, as moléculas contidas no látex medicinal atuam justamente nas células que estão em estado latente, mais especificamente dentro do núcleo. Tal mecanismo é denominado shock and kill (dar um choque e eliminar, na tradução livre do inglês). As substâncias que possuem essa propriedade, como é o caso do látex, são chamadas de Agentes Reversores de Latência.

Antônio Carlos Siani alerta que, uma vez desenvolvida e aprovada, a terapia a ser estabelecida terá caráter complementar. “O uso não prescindirá do tratamento com antirretrovirais utilizados. Um medicamento que livre as células do vírus latente pode significar a cura da Aids ou, de maneira menos impactante, o estabelecimento de posologias mais amenas para os pacientes atuais”, ressalta.

O laboratório forneceu um lote quimicamente caracterizado para um projeto paralelo entre a UFRJ e o Instituto de Ciência e Tecnologia em Biomodelos (ICTB/Fiocruz) a fim de verificar a tolerância de primatas não humanos (macaco-rhesus) à ingestão do látex. Os resultados estão sendo analisados. Portanto, ainda não é possível afirmar quando serão iniciados os testes clínicos (em humanos).

Síntese de novas moléculas – Desde 2001, o Laboratório de Síntese de Fármacos da unidade possui uma linha de pesquisa exclusivamente de novos desenvolvimentos para o combate do HIV, o que já resultou em dezenas de artigos e patentes na área nesses 20 anos. O laboratório já realizou diversas sínteses totais de antirretrovirais para o Ministério da Saúde, e identificou inúmeros compostos com atividades biológicas promissoras. A líder do laboratório, Mônica Macedo Bastos, explica que as pesquisas incluem modificações estruturais em fármacos já utilizados na terapia antirretroviral com o objetivo de obter análogos mais ativos, com menos eventos adversos e que sejam capazes de tratar as cepas virais resistentes.

O Laboratório de Síntese de Fármacos possui uma linha de estudo especificamente sobre HIV/Aids
(foto registrada antes da pandemia de Covid-19/Acervo Comunicação)

Neste sentido, o laboratório tem explorado a obtenção de compostos que sejam capazes de tratar a coinfecção HIV e Tuberculose (HIV-TB), que tem se tornado letal, e seu controle é de extrema importância. “Outro desenvolvimento em andamento é um modelo celular de coinfecção HIV-MTb (M. tuberculosis, organismo causador da tuberculose), no qual será possível testar as atividades anti-HIV e anti-MTb de compostos, simultaneamente, tendo assim maior eficácia e economia em ensaios de triagem para obtenção de novos fármacos para tratar a coinfecção HIV-TB.​ Este último está sendo desenvolvido em colaboração com a The Johns Hopkins Medical School, dos Estados Unidos, onde estão sendo estabelecidas as condições ideais de infecção pelo MTb e de coinfecção pelos dois patógenos”, ressalta a pesquisadora. 

Segundo Mônica Bastos, um trabalho desenvolvido com financiamento da Fiocruz, por meio do edital INOVA – Ideias Inovadoras, identificou duas substâncias que foram 100 vezes mais ativas do que o efavirenz, e duas vezes mais potentes do que a etravirina, medicamentos já empregados na terapia antirretroviral. As novas substâncias apresentam melhor perfil de segurança em relação aos fármacos usados como padrão.

Atualmente, esses dois compostos estão sob avaliação farmacocinética, cujos dados fornecerão suporte para os estudos pré-clínicos (em laboratório e com animais). Se os resultados dos estudos de farmacocinética e pré-clínico forem promissores, as etapas de estudo clínico (em humanos) podem iniciar em torno de cinco anos.

Outro antirretroviral bastante utilizado no país, o sulfato de atazanavir é proveniente de PDP, cuja tecnologia foi totalmente absorvida pelo Instituto (Foto: Tatiane Sandes)

Classes de antirretrovirais de Farmanguinhos – Vice-diretor de Gestão da Qualidade e responsável técnico da unidade, Rodrigo Fonseca explica que, atualmente, os antirretrovirais que Farmanguinhos produz são classificados em quatro categorias distintas:

  • Inibidor de Protease – atazanavir;
  • Inibidor de Integrase – dolutegravir
  • Inibidor de transcriptase reversa análogos nucleosídeos (ITRN) – entricitabina+fumarato de tenofovir, lamivudina, fumarato de tenofovir+lamivudina, zidovudina, lamivudina+zidovudina
  • Inibidor de transcriptase reversa não análogos nucleosídeos (ITRNN) – Nevirapina