O tema foi ministrado pela pesquisadora Beatriz Grinsztejn, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) no Dia Mundial de Luta Contra a Aids

No Dia Mundial de Luta Contra a Aids (1º de dezembro), o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) promoveu a palestra “Prevenção e tratamento de HIV – perspectivas para o futuro”. O tema foi ministrado pela pesquisadora Beatriz Grinsztejn, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), que abordou as conquistas alcançadas e os desafios para enfrentamento deste sério problema de saúde pública. O evento foi transmitido pelo canal da unidade no YouTube.

O diretor Jorge Mendonça agradeceu a participação e parabenizou Beatriz Grinsztejn pelos estudos sobre HIV/aids que ela vem conduzindo nos âmbitos nacional e internacional. “Quero parabenizá-la pelos seus estudos, e estender este agradecimento pelo fantástico trabalho que vocês realizam no INI. Tenha certeza de que as informações aqui apresentadas vão contribuir muito para Farmanguinhos e para o público. Aproveito para agradecer também à diretora do INI, Valdilea Veloso, por todo o apoio e cuidado que vocês sempre deram para nossa unidade ao longo desses anos”, destacou.

Médica infectologista, Beatriz Grinsztejn possui um currículo extenso com inúmeras publicações sobre o segmento. Neste ano, foi eleita presidente da International Aids Society. É a primeira mulher da América Latina a ocupar o cargo da entidade desde a sua criação, em 1988. Trata-se da maior associação de profissionais da área e reúne mais de 12 mil pesquisadores, profissionais de saúde, gestores e representantes de movimentos sociais de 170 países que trabalham em todas as frentes na busca da redução global do impacto do HIV.

Na abertura do evento, a pesquisadora Mônica Macedo, que atua no Laboratório de Síntese de Fármacos da unidade, ressaltou a importância da presença de um dos principais nomes em pesquisa sobre prevenção e tratamento de HIV/aids no mundo. “Neste Dia Mundial de Luta Contra a Aids, não temos melhor pessoa neste país para participar deste evento. Sabemos da importância da Dra. Beatriz no cenário nacional. Portanto, é uma grande honra recebê-la aqui em Farmanguinhos”, frisou Mônica Macedo.

Beatriz Grinsztejn destacou o trabalho realizado pelas duas unidades da Fiocruz: o INI/Fiocruz é referência na área de medicina, especificamente em infectologia, pesquisa clínica; Farmanguinhos é referência na produção pública de antirretrovirais e pesquisa e desenvolvimento de novas formulações farmacêuticas. “É muito significativo Farmanguinhos e o INI estarem fazendo juntos este evento para inaugurar o Dia Mundial de Luta Contra a Aids. Por toda a trajetória de vocês, por todo o trabalho fundamental que vocês realizam por este país, eu gostaria de agradecer a oportunidade de estar aqui”, frisou Beatriz.

Opções de prevenção ao HIV – A palestrante apresentou dados de estudos recentes relacionados à prevenção da infecção por HIV. Segundo a pesquisadora, houve uma redução significativa no número de mortes em todo o mundo a partir da incorporação da terapia antirretroviral. No entanto, o número de infecções tem se mantido estável na América Latina. “Houve um certo crescimento de novas infecções na nossa região entre 2009 e 2019. Esse aumento se dá mais em populações vulneráveis, como homens que fazem sexo com homens, por exemplo, principalmente os mais jovens (18 a 24 anos). Este é um problema muito sério nessa epidemia”, avaliou.

Em relação ao Brasil, quase 1 milhão de pessoas vivem com HIV/aids no país, mais de 700 mil das quais estão em uso de terapia antirretroviral. “Temos um programa de muito sucesso, com acesso universal à terapia antirretroviral. Não somente à terapia, como também ao monitoramento de carga viral CD4 e acesso a testes de resistência. Este é um dos programas de saúde pública de maior sucesso no combate ao HIV no mundo. É uma das marcas mais importantes da saúde pública no Brasil”, enfatizou.

Dados da Unaids revelam que, na população global, 85% das pessoas que vivem com HIV sabem que estão com o vírus. Destas, 75% estão em tratamento antirretroviral. Farmanguinhos é o principal provedor desta categoria de medicamentos no Sistema Único de Saúde (SUS), com nove produtos no portfólio institucional.  Um deles é o entricitabina+tenofovir, utilizado na Profilaxia Pré-exposição ao HIV (PrEP). A especialista explicou ainda que, desde 2018, essa estratégia de prevenção foi incorporada ao SUS. A inclusão desta opção de prevenção resultou de estudos coordenados pela Dra. Beatriz Grinsztejn, como o IPrEP, por exemplo, que apresentou resultados favoráveis e deram sustentação para o registro do entricitabina+tenofovir em 2014.

Segundo a palestrante, a adoção da PrEP ainda é um desafio global. Pouquíssimos países da américa Latina têm políticas públicas em relação a essa estratégia de prevenção. O Brasil é o principal país da região com uso desse esquema na rede pública de saúde. “O Brasil foi pioneiro na região, com a implantação deste programa de saúde pública. O INI/Fiocruz contribuiu significativamente, pois, logo após o registro do tenofovir+entricitabina no FDA para prevenção, nós tivemos o estudo PrEP Brasil, que subsidiou o Ministério da Saúde na incorporação da PrEP como uma política pública em nosso país a partir de 2018”, destacou.

Atualmente, o país conta com 600 serviços de distribuição gratuita espalhados por todas as regiões. “É uma estratégia de prevenção bastante eficaz. Se a PrEP for utilizada adequadamente, no mínimo quatro vezes por semana, previne em 96% a infecção pelo vírus. Quase 50 mil pessoas fazem uso de PrEP, na sua maioria homens que fazem sexo com homens, que é a população mais afetada pela epidemia de HIV”, observou.

Uso de injetáveis – A pesquisadora explicou que, embora a PrEP oral seja um grande avanço na prevenção do HIV, não é uma estratégia para a vida inteira. Além disso, tem alguns percalços relacionados a acesso, custo, adesão, evento adversos, embora poucos, pode haver algum incômodo. O uso de um comprimido diário pode não ser adequado para algumas pessoas. Há outras questões, inclusive relacionadas a estigma e discriminação, que permeiam todos os aspectos do controle da epidemia de HIV. “Por isso, são muito bem-vindas novas opções que exijam um compromisso menor em relação à adesão, ressaltou Beatriz.

Algumas já estão em via de desenvolvimento para que a PrEP possa atingir pessoas que não têm a facilidade e a possibilidade do uso da medicação oral. Dentre as opções, a possibilidade de injeções intramuscular e subcutânea. “O cabotegravir injetável é desenvolvido com nanotecnologia e está sendo testado em 43 centros de pesquisa em diferentes países, o INI é um desses centros. Essa medicação já foi submetida a agências regulatórias em vários países, inclusive na Anvisa. Já está aprovada nos Estados Unidos, Austrália, Zimbábue e ontem saiu a aprovação pela agência regulatória da África do Sul, o que é um avanço inigualável”, observou.

O Brasil aguarda a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. “Enquanto isso, continuamos nosso compromisso no INI/Fiocruz de realizarmos estudos grandes de implementação dessa estratégia. Além do PrEP Brasil, conduzimos um enorme estudo denominado inPrEP, que aconteceu no Brasil, Peru e México com quase 10 mil indivíduos. A partir desse estudo, o México adotou recentemente a PrEP como política pública.

“Dando sequência a essas estratégias, começaremos no ano que vem um estudo de implementação do cabotegravir em seis centros do Brasil (Rio, São Paulo, Salvador, Campinas, Florianópolis e Manaus). Vamos avaliar o seu uso na população de homens que fazem sexo com homens. Pela primeira vez vamos incluir a população de não binários e trans como um todo, com restrição de idade entre 18 a 30 anos, faixa que acontece o maior número de infecções por HIV no Brasil”, revelou a pesquisadora.

Além da injeção intramuscular de cabotegravir, outro estudo previsto é a injeção subcutânea de lenacatavir.  A pesquisadora explica que os injetáveis conferem ação prolongada, o que pode melhorar a adesão a longo prazo. Essa estratégia dispensa a necessidade de comprimidos diários. Por outro lado, o desafio será a implementação nos serviços de saúde pública, bem como o monitoramento de injeções para HIV.

Opções de tratamento – A palestrante apresentou a evolução do tratamento a partir da terapia antirretroviral. No final da década 80 e início de 90, predominava a monoterapia, que evoluiu para a terapia dupla. Entre 96 e 97, foram incorporados os inibidores de protease. Na sequência, os não nucleosídeos, formando, assim, a terapia tripla menos potente. Em seguida, a terapia tripla com os inibidores de integrase e maior potência que, hoje, são a base da terapia antirretroviral nos diferentes guias terapêuticos do mundo.

A pesquisadora explicou que os principais guias de terapia antirretroviral da União Europeia, dos Estados Unidos, da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Brasil usam em seus protocolos um inibidor de integrase, o dolutegravir, com um fármaco principal. “No mundo, o dolutegravir é a base, mas usamos outros dois nucleosídios com esse medicamento para compor essa primeira linha de tratamento. Em 2020, tínhamos no mundo 10 pílulas, de marca e genéricas, que trabalhavam com essa associação, ou seja, três drogas em um único comprimido. Atualmente, temos um número significativo de medicamentos em desenvolvimento para uso de drogas parenterais que vão lidar com a adesão a longo prazo. No entanto, o uso de associações em uma única pílula ainda tem limitações baseadas na disponibilidade e preços”, avaliou.

Beatriz Grinsztejn explicou que o tratamento injetável (carbotegravir e rilpivirina) já vem sendo adotado em países ricos. A indicação é para pessoas de carga viral suprimida com manutenção justamente para facilitar a adesão. Dentre os benefícios, uso menos frequentes, a cada dois meses. “Infelizmente, os injetáveis ainda são uma miragem para nós, pois não há estudo em desenvolvimento no Brasil, nem em outros países da nossa região”.

Mais investimento, menos discriminação – A especialista ressaltou que muito se avançou no enfrentamento da epidemia de HIV/aids, mas a disponibilidade de recursos é limitada em países mais pobres. É importante reservar orçamento adequado para tratamento e prevenção do HIV. Não podemos abrir mão do avanço, tanto na prevenção, quanto no tratamento, na manutenção do que já temos e no desenvolvimento das novas opções para diminuir o avanço da epidemia sobre as populações mais vulneráveis. Neste caso, a gente cai numa questão fundamental que faz a epidemia avançar nessas populações mais vulneráveis: o estigma e a discriminação”, observou.

Dados apresentados revelam que morre um indivíduo LGBTQIA+ a cada 36 horas no Brasil por causas relacionadas a estigma e discriminação. Desse grupo, 76% são pessoas trans. “Além disso, com a pandemia de covid, aumentou o número de pessoas em necessidades críticas, houve um aumento da pobreza em nosso país. Sabemos que sem lutar contra as desigualdades em nosso país, não vamos conseguir avançar também no controle da epidemia de HIV/aids”, assinalou.