Em conferência no Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrascão), especialista da OMS apresenta os desafios da política de disponibilidade de medicamentos

O acesso universal a medicamentos e vacinas, eficazes e de qualidade garantida, é uma preocupação global que tem mobilizado a Organização Mundial da Saúde (OMS) a promover ações para superar os desafios. Este foi um dos itens pautados no 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, realizado na Fundação Oswaldo Cruz de 26 a 29/7. No primeiro dia do evento, a diretora-geral assistente para Acesso a Medicamentos, Vacinas e Produtos Farmacêuticos da OMS, Mariângela Simão, proferiu a palestra Acesso a medicamentos no contexto dos ODS: avançando a agenda antes de 2030.

Jorge Bermudez e Mariângela Simão ressaltaram a importância da produção pública para democratizar o acesso a medicamentos (Foto: Alexandre Matos)

A mesa foi coordenada pelo pesquisador Jorge Bermudez, que atua na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz). Ele destacou o comprometimento da palestrante com as políticas de promoção da saúde. “Foi graças à pujança da Mariângela que o país conseguiu o licenciamento compulsório do efavirenz”, frisou. O medicamento passou a ser produzido pelo Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) e representou uma importante conquista na política de acesso universal aos antirretrovirais, que se tornou uma referência mundial neste segmento.

Mariângela pontuou as desigualdades entre as populações de países ricos e pobres no que se refere ao alcance a medicamentos essenciais, e argumentou que, ao longo dos anos, o acesso decorreu principalmente de conflitos políticos. Hoje, novos desafios se colocam na agenda em discussão. Segundo a especialista, medicamentos são a maior despesa de uma família após a comida. “A situação é dramática em alguns países. Cerca de 90% da população compram medicamentos com dinheiro do próprio bolso. Significa que 100 milhões de pessoas ficam mais pobres no mundo todos os anos por esse motivo”, alertou a conferencista.

Um dos exemplos apresentados por Mariângela é o sofosbuvir, medicamento de primeira linha contra hepatite C, com índice de cura acima de 90%. No entanto, o conflito de interesses é o principal entrave para maior disponibilidade do produto à população, dentre os quais estão o uso da patente para manter monopólio e os altos preços praticados pela indústria farmacêutica.

Produção pública – Sob esse aspecto, o coordenador da Mesa, Jorge Bermudez, destacou o trabalho realizado por Farmanguinhos de modo a evitar a patente do produto, formalizar uma Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP) com parceiros nacionais a fim de fabricar o medicamento e ofertá-lo no Sistema Único de Saúde (SUS). “Farmanguinhos e Blanver obtiveram o registro do medicamento pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e já se colocaram à disposição do Governo para iniciarem a produção”, frisou Bermudez.

Durante sua conferência, Mariângela reforçou a importância da produção pública do sofosbubir e uma futura disponibilização no mercado internacional. “É extremamente importante para o Brasil, por meio de Farmanguinhos/Fiocruz, internalizar a produção do sofosbuvir. Entretanto, é também preciso buscar a pré-qualificação junto à OMS para, não só reafirmar a qualidade do produto, como também abrir a possibilidade de disponibilizá-lo no âmbito internacional”, ressaltou.

Segundo a palestrante, o plano de acesso a medicamentos, vacinas e produtos de saúde elaborado pela OMS passa por quatro dimensões: eficácia; qualidade; segurança; preço e sustentabilidade. Ela informou que nenhum sistema público ou privado consegue fornecer todos os medicamentos ou tecnologias existentes na atualidade. Já que alguns produtos têm uma ação mais eficaz do que outros, é preciso, então, fazer a relação custo-benefício, ou seja, criar sistemas para seleção e não somente contenção de custos.

Outro desafio é uma regulação mais eficaz dos produtos disponíveis. Segundo Mariângela, 30,5 milhões de dólares é o gasto estimado com medicamento de baixa qualidade ou falsificados em todo o mundo. “Cerca de 75% dos medicamentos aprovados nos últimos 15 a 20 anos não tinham evidência de benefícios substantivos ao paciente. A EMA (sigla em Inglês para a Agência Reguladora Européia) aprovou 46 drogas com 68 indicações entre 2009 e 2013. Estudos posteriores mostraram que 57% das indicações não demonstraram benefícios ou qualidade de sobrevida aos pacientes”, alertou a conferencista.

Dentre outros temas, Mariângela abordou ainda concessão de patentes e reforçou que a competição diminui os preços, o que possibilita ampliar o acesso aos tratamentos. Dentre os pontos que contribuem para o acesso a medicamentos, ela destacou também a participação da indústria dos genéricos, o fortalecimento dos sistemas regulatórios, possibilidade de registros colaborativos, sistemas de vigilância e inovação tecnológica.