Um dos pioneiros em estudos de fitoterápicos no país completa 90 anos de vida em plena atividade, atuando ativamente no CIBS e ampliando o seu legado na instituição

Que Dr. Gilbert é um pesquisador renomado e uma das principais autoridades na área de química de produtos naturais, destacando-se no campo da fitoterapia, todos já sabem. O que nos impressiona é vê-lo, aos 90 anos recém-completados, trabalhando ativamente em Farmanguinhos, no Centro de Inovação em Biodivesidade e Saúde (CIBS), e contribuindo para o grande legado que a instituição tem nessa área.

Com mais de 60 anos dedicados à pesquisa com ênfase na inovação em medicamentos da biodiversidade, o pesquisador mantém a sua rotina laboral em pleno vapor.

Todos os dias levanta cedo, sai da sua casa na Urca e encara o transporte público até o CTM.  Durante a viagem, aproveita o tempo para ler revistas especializadas e livros. Consigo, ele carrega sempre um caderninho e uma caneta, onde faz algumas anotações sobre o seu dia e lugares aonde esteve. Hábito que possui há alguns anos e que já acumula dezenas de livretes.

No seu dia a dia, como parte de suas atribuições, compartilha dados sobre plantas medicinais, considerando a química, a farmacologia, a toxicologia e o histórico. Tudo feito diretamente do computador, pela internet, algo impossível de se imaginar no início da sua carreira.

Quem pensa que aos finais de semana ele descansa, engana-se. Dr. Gilbert ainda tem fôlego para se dedicar às causas sociais. Há 13 anos ele participa de um trabalho com moradores de rua, no centro da cidade. “Gosto desse trabalho, de conversar com essas pessoas. É algo simples, mas faz uma diferença enorme para elas, que se sentem “gente”, aceitas pela sociedade”, comenta.  Antes desse projeto, ele já havia dado aula de escola dominical a crianças, em comunidades, por 20 anos.

Infância

Nascido em 27 de setembro de 1929, no leste da Inglaterra, Ben (como era chamado pela família) teve uma infância simples e, ao mesmo tempo, muito dura.

O filho caçula de William e Dorothy, gostava de brincar na rua com o irmão, Francis, dois anos mais velho, e os amigos, além andar de bicicleta e de colecionar insetos, sapos e selos. Mas, aos 10 anos, esse cotidiano tranquilo mudou. Ben se viu diante de uma situação difícil: com o início da Segunda Guerra Mundial e da ameaça de invasão à Inglaterra, teve que se afastar dos pais e se transferir para casas particulares no centro do país, juntamente com outras crianças. Com isso, precisou aprender a lidar com dinheiro e administrá-lo para comprar, dentre outras coisas, material escolar.  Os pais e as crianças se viam uma vez por ano e tinham notícias através de cartas. “Não tínhamos telefone e carro particular não circulava na guerra.  Voltamos para a nossa cidade e para os nossos pais, em 1942, quando o risco de invasão se afastou”, relembra.

Após a segunda guerra, a família de Ben passou a cultivar legumes e hortaliças em seu jardim como forma de sustento. É neste cenário que Gilbert descobre sua vocação, uma vez que precisou encontrar meios naturais para tratar e controlar as pestes que atacavam a plantação da sua família. Com isso, conheceu dois inseticidas naturais da floresta Amazônia e aprendeu a adubar a plantação com esterco de cavalos, que se abundavam com a falta de gasolina. “Foi assim que aprendi o cultivo orgânico e o uso racional de recursos naturais”, conta.

Foi no segundo grau que ele passou a ter contato com a ciência e a matemática. Durante as aulas de química, o jovem Ben fazia diversas experiências.  Já as de matemática, se desafiava a fazer os exercícios mais complexos.  Nessa fase, como fator crucial, teve como inspiração um de seus professores, Sr.Ransome, mais idoso e o único que mão foi para a guerra, com quem aprendeu a entender e a se encantar pela química fazendo diversos experimentos.

“O sr. Ransome falava que não devíamos nos contentar com as informações que tínhamos nos livros ou que ouvíamos falar. Uma vez, ele perguntou a um colega da turma qual era a fórmula da água e o menino respondeu que era H2O. Ele questionou como ele sabia que era essa composição, que respondeu que leu no livro. Foi quando ele disse que deveríamos verificar antes de tomar aquela resposta como verdade. Eu fiquei com isso na cabeça e até hoje eu checo tudo antes de confirmar algo. Ele também me incentivava a fazer experimentos. Eu aproveitava meu tempo livre para ir para o laboratório da escola para fazer sínteses e descobrir coisas novas”, revela. 

Trajetória Profissional

Com formação em Química e doutorado em Química Orgânica, ambas pela universidade de Bristol, Dr. Gilbert já demonstrava seu potencial no doutorado quando descobriu uma substância 100% levo-rotatória, a partir de matérias primas sem atividade ótica, algo inédito e que lhe concedeu o título de Doutor sem necessidade de defesa de tese. Em seguida, fez pós-doutorado pela universidade Wayne State e enfatizou, ainda mais, a sua carreira na área de produtos naturais.

Em 1958, recebeu convite do professor Carl Djerassi, seu orientador do Pós-doutorado, para viajar ao sul do México e ficar por cinco dias conhecendo a floresta tropical. Lá, através do professor, recebeu um convite para viajar ao Brasil para trabalhar com o professor Walter Mors no Instituto de Química Agrícola (IQA) do Ministério da Agricultura (atual Embrapa). Depois disso, passou por diversas instituições, como o Núcleo de Pesquisas de Produtos Naturais (NPPN) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde também atuou como professor visitante, a Companhia de Desenvolvimento Tecnológico (CODETEC), o Instituto de Pesquisas da Marinha – IPqM dentre outras, até chegar a Fiocruz, em 1986.

Reconhecimento

Reverenciado durante 4ª edição do Simpósio Internacional (Foto: Alexandre Mattos)

Reconhecido e homenageado por várias instituições nacionais e internacionais ao longo da sua carreira, Gilbert é autor de 120 publicações científicas abrangendo a química de plantas nativas, algumas medicinais, e o controle de doenças endêmicas.  Tal material serve de referência para estudos com vegetais. Além disso, em Farmanguinhos, há um prêmio que leva o seu nome, com objetivo de incentivar novos estudos, para trabalhos de profissionais e alunos de pós-graduação apresentados em três áreas de atuação (Pesquisa, Desenvolvimento e Gestão). Essa honraria é entregue durante o Simpósio Internacional sobre Desafios e Novas Tecnologias na Descoberta de Fármacos e Produção Farmacêutica.

As homenagens por tudo o que ele representa não param por aí. Em comemoração pelos seus 90 anos, o Centro de Inovação em Biodivesidade e Saúde (CIBS) está elaborando uma biografia para contar a história do pesquisador, desde a sua infância até os dias atuais.  A previsão é que esteja pronta até o final deste ano.

Desafios

Mas a trajetória do pesquisador não é feita só de conquistas. Quando questionado sobre o momento mais difícil da sua carreira, Dr. Gilbert responde:

“Não tive nenhum momento difícil na minha carreira, mas tive projetos que me causaram frustração. Aqueles que eu pude identificar, mas não consegui que eles seguissem adiante. Eu poderia fazer uma lista desses projetos, de plantas ou produtos, que poderiam controlar determinada doença ou praga e não são desenvolvidos, ficam na publicação por falta de visão das autoridades, que não acreditam na fitoterapia ou no poder da complexa tecnologia embutida na biodiversidade que permite a continuidade de vida na terra. O motivo comercial aconselha-nos a transformar a substância da planta em outra substância sintética para poder registrá-la. Assim se descarta a formulação otimizada da planta, programada para permanecer ativa indefinidamente, livre da resistência comum às drogas sintéticas”, lamenta.

Conselho

Para os novos e futuros pesquisadores, ele deixa o seguinte ensinamento:

“É importante fazer o que se gosta e, principalmente, se qualificar. Aqui no Brasil, principalmente, o diploma (papel) é fundamental. Quem tem doutorado, por exemplo, ganha mais. Entretanto, nem sempre, ter doutorado significa alguma coisa, já que o conhecimento não é aplicado. É preciso sair da teoria e ir para a prática. Hoje, os pesquisadores deveriam dar atenção aos problemas sociais, como as doenças mentais, álcool e drogas, as parasitoses comuns à área rural, as viroses, a tuberculose decorrente em parte da má distribuição de renda… Não é fácil de resolver, já que a mentalidade humana é egoísta e não pensa em ajudar quem está atrás. Mas é preciso objetivar a pesquisa em algo útil, essa é uma filosofia que dá entusiasmo para continuar”.

Fórmula da Longevidade

Se ele pensa em parar? Claro que não! “O Brasil não tem fim. Eu poderia trabalhar aqui por mais uma vida de 90 anos”, ressalta.

Com isso, depois de ler essa matéria, você deve estar se perguntando: Qual é o segredo de tanta longevidade? Como ele consegue chegar aos 90 anos tão ativo, lúcido, e com essa disposição? E ele nos responde:

“Eu tenho a minha crença religiosa que me faz recorrer a Deus para me ajudar. Nunca me faltou emprego e eu nunca tive nenhum problema sério de saúde.  Também acredito que devemos manter uma atividade física, além da mental. Hoje, o carro é um inimigo porque a pessoa entra no veículo, vai para o trabalho e volta, sem fazer nenhum exercício. Atualmente, eu venho trabalhar de condução pública e assim preciso subir e descer escada, entre metrô e ônibus”, revela.

Sem dúvidas, uma inspiração para todos nós.